domingo, 16 de agosto de 2009

Vento



Eu sou meio assim. Meio de vento. Essa menina da cabeça de vento. Eu. Nem mesmo sei porque, mas o meu olhar hoje resolveu mudar. E eu olhei para o outro lado da rua e vi alguém passar. Passou um vento e mudei meu destino. Não é preciso escolher um caminho. Não vou para nenhum dos dois lados. Talvez meu desejo seja parar. Parar o tempo e deixar fluir meu vento. A tempestade que não demora muito vem. Essa menina da cabeça de vento que teimo em não deixar ir. Teimo em não obedecer. As fases da lua são poucas. Se eu pudesse domar. Ah não seria divertido ver ela passar se não fosse assim. Meio assim, do jeito que ela vai e muda de calçada o tempo todo. E não sabe se prefere o sol ou a lua. Se estou com frio ela compra sorvete e se eu estou com calor ela traz um casaco. Se quero beijo, ela me dá um abraço. Se eu quero esquecer, ela teima em lembrar. E se eu quero dormir, ela quer dançar. E se ela sempre aparece nos meus sonhos meio assim. Eu lembro que ela está dentro de mim. Essa menina da cabeça de vento.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Oh dor!

Oh dor! Da mãe que perde um filho; do filho que perde o pai. Da namorada que perde a sua metade. Do amor que se perde por aí. Que vida! Que parece maldita para o menor que transita pelos becos escuros dessa cidade partida. Que morte! Que parece tão bonita para os que vivem à toa pela vida procurando uma saída para uma fome doída. E a dor que corrói até a alma do pai que viu sua filha em pedaços pela avenida. E ele tentou juntar os pedaços e gritou bem alto pedindo à Deus que o levasse também. E o medo da mãe que se despede do filho e chega a dar arrepio quando ele atravessa a rua para ir trabalhar. Já não há lugar para tantas velas em cima da geladeira, tantas orações e desabafos. E implora-se paz. Pois não há mais lugar para a dor. Acabou. Não agüento mais ver os seus pés descalços no chão quente. Não agüento mais ver sua ferida sendo tratada como lixo. Não agüento mais ver a minha criança perdendo sua inocência na mão de pedófilos. Desgraçados. Não agüento mais a bala enterrada no seu pescoço. Saudade. Não agüento mais ver seus pedaços estirados pelas estradas. Pra onde vão seus sonhos? Não agüento mais ver você sofrer. E chorar pelo seu namorado que prometeu que iria voltar e não voltou. Não agüento mais ver você matar para roubar um celular. Pra que tudo? Não quero mais ver você pedindo esmola. Não quero mais ver você cheirando cola. E dormindo na rua, sentindo frio, fome e sede. Carinho. Chega. Não quero dor. Do amor que se perde por aí. E o perdão vai ter que ficar pra depois ou talvez para nunca mais. Porque ele não vai voltar.



Por que?

Por que falar de dor? Cada palavra escrita faz parte da minha lembrança, nova ou velha. Tudo que eu já vivi e vi. Tudo que já escutei. De todas as lágrimas que eu já vi cair,minhas ou não. Cada fato narrado já aconteceu e eu consigo me lembrar como em flashbacks. Eu ando, ando, ando muito. E observo, pergunto.Mais observo do que pergunto, sendo sincera. Mas o que eu tenho guardado de tudo isso está se transformando em palavras. O texto é pequeno, mas têm milhões de histórias. Histórias com nome, sobrenome e endereço. E não precisa nem ler jornal, é só começar a prestar atenção quando caminhar pela rua.

Créditos da foto: Marcos Tristão