quarta-feira, 29 de julho de 2009

Antes de morrer



Antes de morrer - Ovomaltine, por favor?

O difícil foi chegar onde cheguei.
Subi 18 andares pela escada para não levantar suspeitas.
Dei bom dia para os 15 seguranças que encontrei pelo caminho.
E para chegar ao ponto onde seria mais espetacular meu salto atravessei fios de alta tensão. Tropecei nas antenas, desviei dos alarmes e pronto.
Lá estava eu pronta para voar.
Eu não tinha asas como os pássaros e sabia que meu vôo seria direto ao chão.
Senti um arrepio na espinha ao imaginar as sirenes e helicópteros das televisões super sensacionalistas que iriam fazer do meu simples pulo pauta para a semana inteira.
Logo eu que não fui nem a metade de um pop star.
Eu olhei para baixo algumas vezes e até ensaiei como seria minha posição na cena do crime.
O lago de sangue que me cercaria era como o esmalte que eu usava todo dia. Era minha cor preferida.
E lá estava eu entre o ir e não ir.
Tomei coragem e senti que estava pronta. Mas senti um vento soprar meu cabelo e recuei. Não tive coragem. Pensei então em ligar para a polícia para quem sabe sentir coragem de me jogar. Droga! Esqueci meu celular. Mas eu já estava lá e o dia estava tão bonito. Chuva como eu gostava. Já estava molhada e sabia que se não terminasse ali o máximo que iria conseguir era um resfriado. Um resfriado sem ninguém pra cuidar. Silêncio. Lembrei de quem amava, de quem me amava.
Lembrei de quem odiava, de quem me odiava. Lembrei do café que eu tomei. Lembrei do motorista do 110. Lembrei do garoto que eu nem conheço, mas me dá bom dia toda manhã. Lembrei do jornaleiro. Lembrei do jornal. Lembrei do MSN e do Orkut. E pensei o que seria dele sem mim, quem responderia meus recados, quem atualizaria minhas fotos. Que fotos? Quem tiraria minhas fotos? As fotos dos lugares vazios que eu não fui. Quem terminaria de ler o livro sobre cultura? Quem iria andar por mim. Eu me lembrei do terminal e das pessoas que esbarravam em mim. Lembrei do cheiro de pipoca. Lembrei até do Ovomaltine. Lembrei do meu crachá. Onde está o meu crachá? Mas eu tenho que avisar que não estarei aqui. Avisar que amanhã os jornais vão atestar que eu não pude estar. E eu já olho para baixo naturalmente. Perdi o medo de altura. Agora só falta cair. São 18 andares. Será que alguém verá minha sombra passar. E eu já ouço as sirenes e os carros da polícia, estão lá embaixo. Uma multidão me espera. Espera meu salto. Dá pra ouvir o burburinho.Será que ela vai se matar? E nessa hora um impulso absurdo me tomou. Fechei os olhos. De repente uma mão me agarrou. E a multidão gritou. E uma lágrima escorreu pelos meus olhos. Suspiro. Ainda bem que eu não morri pelo menos vou poder atualizar meu blog, pensei.